quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Última hora







Dispenso o testamento

Por ausência de bens.

Basta-me a nuncupação

Em meu leito de morte

Seja ela onde e quando for

E não importam as testemunhas

Sendo que qualquer boca

Levaria, afoita, de boca em boca

Meus aforismos de uma breve vida

E morte prematura.

Nos bastidores presentes

Pespontarei palavras

Avulsas e sem nexo

Como um pobre cão

Que não tem coleira

Mas paga impostos

E muitos

E juros

Não ornarei o soneto

Nem rechearei de lero-lero

Nem saquearei do esturjão

O necessário para o caviar

A ser servido no velório

Pois caras e bocas

Lá, presentes, estarão,

Que em vida, nem um “ai”

Trocaram a mim.

Do que a morte mais garrida

Nesse momento será bem-vinda.

Dispensarei, também,

A laudatória da madrugada

E da hora sóbria

De cerrar o féretro

Pois já não poderei

Auferir benefício algum

Ou qualquer

Ou nenhum

De toda a verborragia póstuma.

Um canto lírico será proferido

Ao findar os últimos minutos

- pode ser “My Way”

E que alguém recite este ou

O “Poema da Minha Hora”

E com lírios hei de ir

E bem vestida para a noite

Pois a noite atravessarei

E passarei a maior noitada

Sem rumo e onde não sei ir

E estarei pronta

Para a hipertrofia dos vermes

Pós-sepultamento

Em clausura com a terra

E vagabundeando seguirei

Num Zepelim de almas

Até o Zodíaco de Touro.





Letícia Andreia

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