quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Os cravos





Brinco eu, cá da infância

Num jardim de cravos roxos

E outros púrpuros...

Tal qual o espírito condiz:

Numa solidão inconstante

Donde qualquer capricho se ausente.



Por trás do craveiro,

Uma sala de estar,

Onde um cravo inebriante

Se põe a tocar...



Imagino eu, cá dos quarenta,

Quais mãos o acariciavam

Em uma melodia tão doce e atenta

Que hoje lembra: um cravo-de-amor

Cravado no peito

Causador de saudade extrema

Algemado está a tal problema

Que inerte se esvai...

Pulsos cerrados

Mãos aos teclados...

Ausente ao cravo no peito dilacerado

À cruz

Ao calvário

Nas mãos e nos pés

De um Jesus crucificado.



E dos cravos na cútis adolescente

Tal folículo sebáceo irrompe

A infância num golpe solene



E cravos dolorosos

Aprofundados no derma –

Na planta dos pés cansados

Do caminho doloroso

Deste coração fatigado.



Interrompem a canção – ferraduras

Ferraduras que no asfalto trotam

Pregadas a cravos no cavalo sereno

Trazem consigo um cavaleiro

De olhar distinto

E nas mãos,

Um embrulho de cravos vermelhos

A demonstrar a paixão, o amor e o respeito

Almejados nos contos de fadas.



E o cravista na sala de estar

Encrava as mãos nos teclados

E os tons afora angustiados

Ecoam do passado ao presente

- os cravos do canteiro

- os cravos vermelhos

Nas mãos do cavaleiro

- os cravos nos pés cansados

- os cravos da adolescência

- os cravos do respeitável ancião

- os cravos nas mãos e nos pés da cruz

- os cravos sob o cavalgar e a ferradura

...

Os cravos de amor, cravados no peito,

Provocam um precoce adeus

Desta vida desiste

E de todos os cravos aqui vividos

Sobra o féretro

Encorpado de cravos

Num descanso tranquilo

Em cravos-de-defunto perfumados.







Letícia Andreia

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